O Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Marabá, serviço responsável por atender pacientes com infecções sexualmente transmissíveis e realizar testagem sorológica, voltou a ser alvo de sérias denúncias. Desta vez, a acusação envolve a quebra do sigilo médico de pacientes, prática que fere normas éticas e legais estabelecidas no Brasil para proteção da privacidade de pessoas vivendo com HIV e outras condições de saúde sensíveis.

A denúncia mais recente chegou à redação do Portal Curupira por meio de um paciente da zona rural de Marabá. Segundo ele, informações de seu prontuário médico foram compartilhadas indevidamente entre unidades básicas de saúde sem seu consentimento. O paciente, atendido originalmente no CTA, relata que seus dados sorológicos foram repassados à UBS Dr. Emerson Caselli, no Bairro Independência, e depois à unidade de saúde da localidade onde reside, o que gerou medo de exposição e constrangimento dentro da própria comunidade.
O caso levanta sérias preocupações sobre a conduta de profissionais que atuam no CTA. O sigilo médico é garantido pela Constituição Federal, pelo Código de Ética Médica (CFM, Resolução nº 2.217/2018) e por normativas específicas do Ministério da Saúde, como a Portaria nº 2.031/GM/MS, de 23 de setembro de 2004, que estabelece diretrizes para a Política Nacional de DST/AIDS. Esses dispositivos deixam claro que informações sobre o estado de saúde de qualquer paciente só podem ser compartilhadas com profissionais diretamente envolvidos no atendimento e mediante o consentimento informado da pessoa.
O Portal Curupira procurou o profissional que prestou atendimento ao paciente, que, sob reserva de identidade, afirmou desconhecer a obrigatoriedade do sigilo da sorologia e admitiu não ter recebido qualquer capacitação para lidar com esse tipo de atendimento. Ao ser questionado, justificou a ação dizendo ter sido “resolutivo” em relação à necessidade de saúde do paciente, como se isso autorizasse o encaminhamento dos dados a outras unidades fora do CTA. O paciente, no entanto, jamais solicitou essa transferência e optou pelo atendimento no CTA justamente por temer a exposição de sua condição em sua região de moradia.
A reportagem também entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde. A diretora de Atenção Básica, Ângela Assunção, foi procurada mas não se manifestou sobre o caso, afirmando que estava em reunião. Já o secretário municipal de Saúde, Werbert Carvalho, respondeu via WhatsApp que o paciente deveria formalizar a denúncia pela Ouvidoria da Saúde. No entanto, como o cargo de ouvidor é ocupado por uma pessoa ligada politicamente à gestão municipal e não por profissional de saúde, o encaminhamento também representa risco de quebra de sigilo, além de criar um obstáculo à responsabilização imediata dos envolvidos.
Para o presidente da ONG Atitude LGBT+ de Marabá, Vinícius Soares, a situação é grave e inaceitável. “É uma violação direta dos direitos das pessoas atendidas no CTA. Quebrar o sigilo sobre a sorologia de um paciente pode causar estigmatização, discriminação e até retaliações sociais. Repudiamos esse tipo de prática e vamos buscar os meios legais para responsabilizar os envolvidos”, afirmou.
Segundo Vinícius, a ONG irá protocolar uma denúncia no Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e também solicitará à Câmara Municipal a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades recorrentes no atendimento do CTA e do SAE (Serviço de Assistência Especializada). “O problema não é de agora. Há anos denunciamos falhas estruturais, ausência de medicamentos e má condução dos atendimentos. Essa violação de sigilo apenas escancara o despreparo e o descaso no SAE/CTA”, concluiu.
O histórico de problemas no CTA de Marabá não é recente. Ainda na gestão passada, a unidade foi alvo de críticas da sociedade civil organizada, incluindo um ato simbólico realizado dentro do prédio pelo ativista dos Direitos Humanos Noé Lima, editor-chefe do Portal Curupira, que protestou contra a falta de medicamentos e a negligência no acolhimento de pacientes.
Diante da gravidade do ocorrido, cresce a pressão para que os órgãos de controle e fiscalização atuem com rigor. O sigilo médico é uma das bases da relação de confiança entre paciente e sistema de saúde. Quando essa confiança é rompida, não só o tratamento é comprometido, mas também a dignidade de quem já enfrenta o peso do preconceito social.
O Portal Curupira seguirá acompanhando o caso e buscando esclarecimentos das autoridades competentes. A população atendida pelo CTA de Marabá tem direito a um serviço digno, ético e comprometido com a vida e a saúde pública.