Reforma do Código Civil pode deixar cônjuge sem direito à herança

20 maio

A proposta de reforma do Código Civil, em tramitação no Senado, abre a possibilidade de que cônjuges e companheiros deixem de ser herdeiros necessários, o que, na prática, permite que sejam excluídos de heranças mesmo em caso de casamento ou união estável.

O que muda

Atualmente, o Código Civil estabelece que o cônjuge, juntamente com os descendentes (filhos, netos) e ascendentes (pais, avós), é herdeiro necessário. Isso significa que, em um testamento, é possível dispor livremente de apenas 50% do patrimônio — os outros 50% são reservados por lei aos herdeiros necessários, entre eles o cônjuge.

A proposta de reforma, no entanto, altera o artigo 1.845 e retira o cônjuge da lista de herdeiros necessários, mantendo apenas ascendentes e descendentes nessa categoria. O artigo 1.850 do projeto prevê que o autor do testamento poderá excluir o cônjuge, o companheiro ou herdeiros colaterais (irmãos, sobrinhos) expressamente ou simplesmente não mencioná-los na divisão dos bens.

Com isso, na ausência de descendentes e ascendentes, todo o patrimônio poderá ser deixado a terceiros, mesmo que o cônjuge ainda esteja vivo. “Pelo novo Código, posso doar todo meu patrimônio e deixar meu companheiro sem nada”, afirmou o advogado Ilmar Muniz, do escritório Cavalcante Muniz Advogados.

Deserdação e sucessão legítima

Pelas regras atuais, só é possível excluir herdeiros necessários em situações de indignidade, como envolvimento em homicídio (ou tentativa) contra o autor da herança, acusação caluniosa ou fraude para impedir o acesso aos bens. Um exemplo citado é o caso de Suzane Von Richthofen, deserdada por ter sido condenada pela morte dos pais.

Caso não haja testamento, segue-se a sucessão legítima, que mantém o cônjuge como um dos herdeiros. A proposta de reforma não altera essa ordem: primeiro vêm descendentes, depois ascendentes, cônjuge e, por fim, os colaterais.

O projeto também preserva o direito do cônjuge ou companheiro à totalidade da herança caso não existam descendentes nem ascendentes, conforme o artigo 1.838 da proposta.

Especialistas criticam falta de debate

A presidente da Comissão de Advocacia de Família e Sucessões da OAB-SP, Silvia Felipe Marzagão, criticou a proposta pela forma como foi elaborada. “É um texto feito muito rapidamente, com poucos debates. A retirada do cônjuge como herdeiro necessário é uma das mudanças mais impactantes”, afirmou.

Ilmar Muniz também vê riscos na mudança. Segundo ele, como a maioria dos brasileiros não faz testamento, a exclusão do cônjuge como herdeiro necessário pode deixá-lo desamparado. “Se quiser contemplar o companheiro, será preciso fazer isso exclusivamente por testamento”, disse.

Dados do relatório Cartório em Números de 2024 mostram que, entre 2007 e setembro de 2024, apenas 527 mil testamentos foram registrados no país.

A proposta ainda introduz a possibilidade de reservar até 25% da herança a herdeiros considerados “vulneráveis” ou “hipossuficientes”, conceito que, segundo Marzagão, pode aumentar a judicialização dos processos sucessórios. “O que é alguém hipossuficiente? Isso pode dar margem para interferência maior do Judiciário”, afirmou.

Tramitação do projeto

A proposta de reforma do Código Civil foi elaborada por uma comissão de 38 juristas, instituída pelo Senado, com participação de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como João Otávio de Noronha, Isabel Gallotti, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e o ministro aposentado Cesar Asfor Rocha. A comissão foi presidida pelo ministro Luís Felipe Salomão.

O projeto altera 1.122 dos 2.046 artigos do atual Código Civil e acrescenta mais de 200 dispositivos. Já protocolado no Senado, ele aguarda a criação de uma comissão especial para início da tramitação. Ainda não há prazo para a instalação do colegiado.

De acordo com o advogado Francisco Gomes Junior, presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP), o texto deve passar por modificações significativas antes de ser votado. “Trata-se de uma mudança extensa e sensível. É provável que o projeto seja alterado ou até reescrito em partes durante o processo legislativo.” Reportagem Portal Curupira com UOL

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