A Câmara Municipal de Marabá divulgou nesta quarta-feira (4) uma nota de repúdio contra o advogado criminalista Américo Leal, referência no Tribunal do Júri no Pará, por conta de uma declaração feita pelo jurista durante sessão do Júri realizada no último dia 2 de junho. Na ocasião, Leal afirmou que disparar armas de fogo para o alto, em certos contextos festivos, seria algo ligado à cultura do povo marabaense.

A nota oficial da Câmara classifica a fala como “ofensiva” e “absolutamente inverídica”, alegando que o advogado teria ofendido a identidade e os valores da população da cidade. No entanto, o posicionamento da Casa ignora o histórico do próprio Parlamento Municipal, onde, por décadas, o porte ostensivo de armas por parlamentares e assessores era prática comum, inclusive durante as sessões.
Entre os exemplos mais conhecidos está a própria vereadora Vanda Américo, que ainda ocupa uma cadeira no Legislativo e que, conforme relatos da época, frequentava as sessões armada — uma realidade comum entre políticos locais entre as décadas de 1980, 1990 e 2000. Aliás, conforme o comunicador Celso Santana, em publicações em suas páginas nas redes sociais, a vereadora tinha o hábito de puxar armas em praça pública.
O episódio evidencia que a fala do advogado, ainda que fora de contexto atual, possui fundamento histórico. A cidade, marcada por um passado de conflitos fundiários e influências da cultura dos garimpos, já conviveu com práticas hoje consideradas inaceitáveis, mas que fizeram parte de sua construção social.
O repúdio também expõe um descompasso entre o Parlamento e o exercício da advocacia no contexto criminal. A declaração de Américo Leal foi feita durante uma sustentação oral, no exercício de sua função, amparada pelas prerrogativas legais da advocacia. Em um julgamento criminal, cabe ao advogado utilizar os recursos técnicos e argumentativos disponíveis para construir sua defesa — especialmente um profissional com a trajetória reconhecida de Leal, cuja atuação é respeitada nos tribunais do Pará.
A nota da Câmara não foi assinada pelo presidente da Casa, Ilker Moraes, o que levanta questionamentos sobre a legitimidade e coragem institucional do pronunciamento. O texto, divulgado em nome da Câmara, não tem chancela do principal representante do Legislativo municipal, o que sugere desconforto com o teor da manifestação.
A pressão pela publicação da nota partiu do vereador Miterran Feitosa (Republicanos), que utilizou a tribuna da Câmara na sessão de terça-feira (3) para criticar o advogado e exigir uma resposta institucional. Miterran, embora formado em Direito, não possui registro na Ordem dos Advogados do Brasil, o que o impede de exercer a profissão. Ainda assim, promoveu uma crítica pública a um dos profissionais mais experientes e respeitados da advocacia paraense, em um movimento que revela mais intenção política do que compromisso com a história e a verdade.
A tentativa da Câmara de apagar um passado documentado e de censurar o exercício técnico da advocacia levanta um debate sobre os limites do discurso institucional e o respeito às garantias fundamentais no processo penal. Marabá, hoje, não convive com o disparo festivo de armas como prática comum, mas não se pode negar que esse comportamento, em décadas passadas, compôs parte do cenário sociocultural da cidade. Reconhecer isso não significa justificar crimes, mas sim compreender a complexidade histórica de uma região moldada por contradições. Reportagem Portal Curupira