Educação e COP 30: O Paradoxo de um Evento Global em Meio ao Descaso Local

29 jan

Enquanto Belém se prepara para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em novembro de 2025, colocando o Pará no centro das discussões globais sobre clima e sustentabilidade, uma resistência local ganha força nas estradas e nas instituições do estado. Desde o dia 14 de janeiro, lideranças indígenas e comunidades tradicionais do Pará têm protagonizado um movimento histórico contra a imposição do modelo de educação à distância nas escolas de suas comunidades, uma medida que ameaça a educação presencial, o ensino culturalmente relevante e a preservação dos territórios indígenas.

A mobilização, que inclui a ocupação da sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) em Belém e o bloqueio da BR-163, é um grito de resistência contra a Lei 10.820/2024, sancionada pelo governador Helder Barbalho no fim de 2024. A lei extingue o Sistema Modular de Ensino (SOME) e o Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI), fundamentais para a educação de populações isoladas e de difícil acesso. Para os manifestantes, essa mudança representa não apenas um retrocesso na educação pública, mas também um ataque direto aos direitos dos povos indígenas, que dependem desse modelo de ensino para preservar suas culturas e tradições.

A BR-163, uma das principais vias de escoamento da produção agrícola no Pará, se tornou o cenário de uma resistência determinada. Há seis dias, indígenas e apoiadores ocupam o trecho da rodovia no município de Belterra, levando suas demandas para o coração do Brasil. Segundo Lucas Tupinambá, vice-coordenador do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, a mobilização é histórica: “Estamos aqui com representantes de 14 povos do Baixo Tapajós, junto aos sindicatos dos professores, em uma luta pela educação e pela preservação de nossos direitos e territórios.”

O movimento não se limita a críticas à educação. Ele é também uma manifestação contra a exploração predatória da Amazônia, como o agronegócio e a mineração, que ameaçam os modos de vida das comunidades indígenas. A escolha da BR-163 como palco do protesto é simbólica, pois a rodovia é vista como um corredor logístico que beneficia as grandes indústrias, em detrimento dos direitos dos povos da floresta.

Além da revogação da Lei 10.820, os manifestantes exigem a exoneração do Secretário de Educação do Estado, Rossieli Soares, que tem sido alvo de críticas por sua postura centralizadora e tecnocrática, desconsiderando as especificidades regionais e culturais do Pará. Para muitos, o modelo de ensino à distância imposto pela nova legislação ignora a realidade das comunidades, que enfrentam sérios desafios de infraestrutura, como a falta de acesso à internet e a escassez de professores capacitados para trabalhar com as particularidades culturais e linguísticas dos povos indígenas.

A luta dos povos indígenas contra o ensino à distância é também uma luta pela preservação de seu modo de vida. A jovem aluna indígena Aline Munduruku destaca a importância dos professores para a preservação da cultura: “Eles nos ajudam a preservar nossa identidade, nossas tradições, e isso é mais importante do que qualquer outra coisa.”

Enquanto isso, o silêncio do governador Helder Barbalho e a falta de ações concretas da governadora em exercício, Hana Ghassan, diante das manifestações, alimentam ainda mais o sentimento de abandono entre os protestantes. A situação gerou críticas também à Secretaria de Povos Indígenas do Estado do Pará, acusada de não representar adequadamente as demandas das comunidades.

A mobilização não se limita à resistência local. Ela é acompanhada de perto pela Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e pelo Ministério Público Federal (MPF), que tem requisitado posicionamentos sobre o modelo de aulas telepresenciais do governo estadual. A pressão internacional e a crescente visibilidade do Pará no contexto da COP 30 reforçam a urgência de um diálogo mais amplo sobre os direitos indígenas e a educação no estado.

O protesto contra a educação à distância se torna, assim, um símbolo da luta dos povos indígenas pela defesa de seus territórios e pela manutenção de sua identidade. Como Lucas Tupinambá ressalta, “nós só sairemos daqui quando a lei for revogada e publicada no Diário Oficial. Estamos aqui unidos, e a BR-163 é um espaço estratégico, porque ela é vital para o escoamento de grãos e produtos, mas também é vital para a nossa luta.”

Em um momento crucial, enquanto o Pará se prepara para se tornar o palco de um evento internacional, as comunidades indígenas lembram que a verdadeira sustentabilidade não se constrói sem justiça social e respeito aos direitos daqueles que guardam a floresta. A luta pela educação, portanto, é também uma luta por um futuro mais justo e equilibrado para o estado e para o planeta.

Via Tapajós de Fato

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