Em um plantão comum, o perito criminal Augusto Andrade foi chamado para analisar a morte de uma mulher em São Domingos do Araguaia, no sudeste do Pará. O caso parecia natural, mas um detalhe chamou sua atenção: a presença excessiva de moscas no corpo. A experiência indicava que havia ferimentos abertos — e, de fato, as evidências transformaram o que parecia um caso simples em uma investigação de homicídio.
As moscas se tornaram aliadas recorrentes do perito do Instituto Médico Legal (IML) de Marabá. Em várias cenas de crime, elas ajudaram a determinar o intervalo post mortem (IPM) — o tempo decorrido desde a morte da vítima. “O estágio de desenvolvimento das larvas indica há quanto tempo o corpo está ali”, explica Augusto. Esses dados auxiliam a Polícia Civil na análise de versões e suspeitos.

Entomologia forense: insetos como investigadores
A técnica utilizada por Augusto é parte da entomologia forense, ciência que estuda insetos e outros artrópodes em investigações criminais. O professor Danilo Oliveira, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), explica que os insetos ajudam a estimar o tempo e até o local da morte. “Algumas espécies são específicas de certos ambientes. Se moscas típicas da zona urbana aparecem em um corpo achado na floresta, isso pode indicar deslocamento do cadáver”, exemplifica.
Na Unifesspa, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Forenses, pioneiro na Amazônia, estimula pesquisas aplicadas a órgãos como a Polícia Científica e o Ministério Público. A biotecnóloga equatoriana Célia Rivera desenvolve um catálogo das espécies de moscas de Marabá, registrando mais de 6 mil exemplares e 114 espécies — duas inéditas para o campo forense. “Esses dados ajudam a identificar se o corpo foi movido e o tempo de morte”, explica.
Insetos que falam pela vítima
Além de indicar o tempo da morte, os insetos podem revelar vestígios de intoxicação, drogas ou venenos. “As larvas absorvem substâncias do corpo, o que permite detectar se a vítima estava sob efeito de algo no momento da morte”, explica Danielle Cartaxo, coordenadora da Polícia Científica em Marabá. Ela defende a ampliação do quadro de peritos e a criação de laboratórios específicos para estudos entomológicos na região.
Bioindicadores ambientais
Os insetos também têm papel crescente em crimes ambientais. A bióloga Tatiana Menezes utilizou formigas e cupins para mensurar o dano causado por desmatamentos no Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, em Parauapebas. Comparando áreas preservadas e degradadas, ela constatou a redução drástica desses organismos no solo. “Eles indicam rapidamente a gravidade do impacto ambiental”, afirma.
Ciência amazônica em crescimento
Para Danilo Oliveira, os insetos são peças-chave tanto para a ecologia quanto para a justiça. “Eles ajudam a responder perguntas sobre a morte, o ambiente e até o clima. O mundo é, em grande parte, um insetário”, resume o professor.
Na Amazônia, a ciência forense encontra nos menores seres da floresta um poderoso instrumento para revelar verdades ocultas — sejam elas humanas ou ambientais.